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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Pequenas patentes, grandes negócios

    Hoje publicarei um artigo adicional, o que não é de costume, de um Blog que costume ler (Curioso Realista: um livro realista da natureza), é um blog destinado à comunidade científica, entretanto, este artigo em especial nos remete à algumas situações de Direito. É uma ótima leitura.

    Qual seria a sensação de descobrir que você foi patenteado? E se seu genoma pertencesse a uma empresa privada? “Eu não sou meus genes” confortar-se-ão alguns, “Uma pessoa não pode ser alvo de patente” protestarão outros. Bem, não se pode patentear um elefante, mas ninguém disse nada sobre seus genes!


    Todos conhecem o talento científico de John Craig Venter. Seja pelo seu pioneirismo no sequenciamento do genoma humano ou pela criação das primeiras células com genoma sintético. Há, no entanto, um outro aspecto pelo qual Venter chama a atenção, o empreendedorismo. Este último talento o fez criar uma confusão que ainda ecoa desde 1991, quando começou a sequenciar genes. Venter aprendeu a usar uma tecnologia desenvolvida pelos retrovírus para identificar sequências de DNA que são expressas (transcritas para mRNA). Resumidamente, a ideia consiste em utilizar o RNA mensageiro (mRNA) da célula para gerar um DNA complementar (cDNA) com auxílio de uma enzima (transcriptase reversa), o que possibilita o posterior sequenciamento somente do que é expresso.

    O problema surgiu quando Venter tornou público que o National Institute of Health (NIH) estava a pedir patente de cerca de mil das sequências identificadas pelo cientista. Como era de se esperar, o pronunciamento de Venter não passou despercebido e gerou o seguinte pronunciamento de seu consternado ex-supervisor de pós-doutorado James Watson:

“Pura loucura [...]. Com o advento das máquinas de sequenciamento automatizado, ‘virtualmente qualquer macaco’ pode fazer o que o grupo de Venter está fazendo [...]. O que é importante é a interpretação das sequências, se essas sequências de bits aleatórios podem ser patenteadas eu estou horrorizado.”

    Longe de ser uma questão superada, a empresa Myriad Genetics está prestes a tornar-se proprietária de dois genes relacionados com o câncer de mama (BRCA 1 e 2). Você não entendeu errado! Caso o supremo tribunal dos EUA julgue procedente o pedido, partes do DNA de milhares de pessoas passará a ser propriedade privada de uma empresa. É claro que isso não afetará sua vida drasticamente caso você não pretenda fazer nada de especial com estes genes.

    Deixando de lado o “pequeno” inconveniente de ter nascido com algo que agora não será mais seu, qual o problema com as patentes? Você já deve ter ouvido por aí que patentes geram incentivo à inovação, aumento da produtividade e diversos benefícios que, de outra forma, seriam inimagináveis. Há quem cite o exemplo, completamente desconexo, de que “até” Einstein trabalhava num escritório de patentes. Bem, para questões desta natureza, tenho o hábito de exigir um pouco mais que uma opinião. Os economistas Michele Boldrin e David Levine do Federal Reserve Bank of St Louis publicaram recentemente um artigo sugerindo a completa abolição de patentes e a busca de novos instrumentos legislativos menos suscetíveis ao lobby. No texto, os pesquisadores deixam claro:

“Não há evidência empírica de que elas [patentes] sirvam para elevar a inovação e produtividade, a menos que inovação seja identificada como número de patentes ganhas – o que, como mostram as evidências, não tem correlação com a produtividade medida.”

    Há ainda um outro aspecto no qual as patentes são perniciosas para a ciência. Suponha que você é um pesquisador de uma universidade e descobre um produto com potencial de gerar uma nova droga. Você gera uma patente do produto desenvolvido. Infortunadamente, você não é tão empreendedor quanto Venter e não vai ganhar mais que alguns centavos com isso. Portanto, se você quiser lucrar (por que outra razão pensaria na patente?) você deve vender a ideia (a patente) para uma industria farmacêutica que possa assumir os custos de produção, etc. É preciso encontrar uma industria disposta a investir na sua ideia.

    Feito isso, todos os dados gerados não serão mais seus, eles pertencem à industria e estão protegidos por segredo industrial. Uma vez que a industria comprou sua ideia você precisa continuar trabalhando para assegurar seu financiamento, mas você não pode fazer isso sozinho. Então você recruta alunos de pós-graduação para desenvolver seus trabalhos de algum modo relacionados com a tecnologia. Como é de conhecimento público, um requisito para se obter o título de mestre ou doutor no Brasil é ter um artigo relacionado ao seu projeto publicado, mas você não pode fazê-lo porque o seu orientador envolveu os projetos do grupo com patentes. É importante lembrar que nessa área, até que a empresa detentora dos direitos esteja pronta para liberar os dados, pelo menos 10 anos já se passaram e os estudantes de pós-graduação não receberão seus sofridos títulos até que tenham autorização para publicar os dados.

    Se você é um cientista e ainda vê qualquer benefício nas patentes para o seu trabalho ou para a ciência de modo geral, sugiro fortemente que faça como Venter. Afaste-se da academia e abra uma empresa!

Referências sugeridas

Roberts. Genome patent fights erupts. Science, 11 October 1991, Vol. 254 n. 5029, pp. 184-186.
Boldrin, Michele, and David K. Levine. (2013) The Case against Patents. Journal of Economic Perspectives, 27(1): 3-22. DOI: 10.1257/jep.27.1.3.
Carlos Orsi. Suprema Corte dos EUA decide se gene humano é invenção ou “produto da natureza.” Inovação UNICAMP, 29/04/2013.
Patente de soja da Monsanto tem vitória nos EUA e derrota no Brasil. Inovação UNICAMP, 20/05/2013.
Cesar Grossman. Você não é dono dos próprios genes. Hypescience, 31.03.2013 as 12:00.
Carlos Orsi. Empresa de teste genético obtém patente de gene ligado a Parkinson. Inovação UNICAMP, 01/06/2012.
Guilherme Gorgulho. Estudo questiona efetividade da propriedade intelectual no fomento à inovação médica. Inovação UNICAMP, 18/02/2013.
Luís Indriunas. Biopirataria – O Brasil se defende. Super Interessante, Outubro de 2003.


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